segunda-feira, 26 de maio de 2014

domingo, 25 de maio de 2014

CARTA ABERTA AOS MAÇONS BRASILEIROS MAÇONARIA, LIBERDADE E RETROCESSO

Prof. Dr. Carlos A. P. Campani M.’.I.’.

Não pretendia escrever um texto que cobrisse temas que envolvessem política e Maçonaria. No entanto, os fatos recentes me obrigaram a escrever algo, sob pena de, calando-me, parecer que concordo com tais fatos. Recentemente houve ampla repercussão de carta aberta escrita por alto dignitário de Potência maçônica, cuja autoria, como muito do lixo que circula pelo Facebook atribuindo tal e qual frase a tal e qual pessoa, sem que o compartilhador tenha o mínimo de trabalho de verificar a fonte e a veracidade da informação, até o momento carece de confirmação. Assim, não farei atribuição deste texto ao suposto autor, preferindo analisar sua repercussão. Mesmo que eu não tenha conseguido confirmar a autoria do texto, o compartilhamento dele por alguns maçons, prova que no seio da Maçonaria há acolhida a tais pleitos, que na sequência irei mencionar e criticar.


Outro fato que me motivou a escrita deste texto foi a Marcha da Família 2, que tentou reeditar a famigerada Marcha ocorrida em 1964 e que foi um dos fatores para um longo período de trevas na história de nosso país. Neste caso, repercutiu de forma muito forte na imprensa, e negativa para a Maçonaria, a presença de meia dúzia de pessoas fardando o avental maçônico, misturados a skinheads neonazistas, loucos, velhos militares saudosos das práticas antidemocráticas do passado e outras figuras patéticas que desejam um retrocesso político e o fim da democracia em nosso país.


Em primeiro lugar, devo deixar claro que as opiniões e ideias que serão expressas neste texto são de minha autoria, não refletindo quaisquer ideias de grupo ou facção, Loja ou Potência maçônica. O argumento que será apresentado baseia-se em uma análise de conjuntura que, sendo longa e detalhada, infelizmente resulta que o argumento não pode ser completamente explicado neste texto que tentei manter curto e conciso. O texto é uma pequena contribuição à discussão associada à uma Organização aberta e adogmática, que deve e merece ser representada por todas as concepções existentes sem preconceito.


Sem tentar entrar muito demasiadamente em definições formais, a política caracteriza-se por dois aspectos: a busca do convívio harmonioso entre os homens, como definido pela filosofia clássica; a disputa pelo poder, como definido por Maquiavel. Entre estas duas definições, parece-me que a primeira atende mais propriamente ao que a Maçonaria deveria discutir e realizar. A Maçonaria busca as “verdades absolutas”. Ao proclamar a busca pela Verdade, a Maçonaria quer dizer a busca pela Verdade Ideal, cuja realização é espiritual. Porém, o campo da ética e da política trata da verdade contingente, cuja verificação passa por processo de significação, caracterizando-se por ser relativo e local. Cabe-me alertar que, tratando-se tal definição de “verdade” de forma doutrinária, facilmente rompem-se os limites que separam racionalidade de dogma.


Necessário é fazer-se uma breve discussão sobre a posição política que a Maçonaria segue e aos maçons impõe-se, à luz das landmarks e leis maçônicas. Neste caso, devemos entender que duas linhas claramente diferentes aparecem: a anglo-saxonica; e a francesa. Na primeira, são proibidos pronunciamentos e discussões de caráter político de qualquer natureza no seio da Ordem, como se pode apreender no que diz a Constituição de Anderson: “Portanto, quaisquer pendências ou querelas acerca de religião, cidadania ou política não devem ser conduzidas para dentro das portas das Lojas”; o que é interpretado pela Maçonaria anglo-saxonica como proibição total de discusões sobre política, mesmo que desprovidas de caráter partidário. Já a tradição francesa, que vicejou na Maçonaria latino-americana, proibe apenas o proselitismo partidário, permitindo ao maçom a luta contra o absolutismo religioso e o extremismo político, assim como a defesa dos interesses da comunidade.


Mas, visto nesta perspectiva, fatos como os citados no início deste texto, opiniões amplamente compartilhadas por maçons de todo o Brasil, claramente entram no cavernoso e incerto campo da doutrina partidária e do desconforto com este ou aquele grupo político que esteja no poder. Mais que isso, ditos e feitos, da forma como foram e, mais importante que isso, às vésperas de aniversário de golpe militar, só pode ser entendido como uma afronta direta aos mais básicos princípios da Maçonaria francesa, quais sejam, liberdade e justiça. O momento escolhido para veicular certas afirmações foi uma infeliz escolha, que só pode associar nossa Ordem com eventos de infeliz lembrança. Cabe a todo maçom, imbuido dos verdadeiros ideais de liberdade e justiça refutar e rechaçar de forma inquestionável posições que defendem retrocessos políticos e que enamoram-se por ideologias autoritárias e reacionárias.


Na história da Maçonaria aparece de forma clara a luta pelo avanço social e político: a defesa do ensino público e laico, luta em que maçons e socialistas estavam juntos;  a luta pela democracia, a liberdade e contra todas as oligarquias; etc. Uma das mais emblemáticas destas lutas, a luta contra a tirania monárquica e pela república, “res pública”, a “coisa de todos”, já demonstrava em que lado a Maçonaria estava. Destaca-se, neste contexto histórico, o grande maçom, socialista e heroi de dois mundos, Giuseppe Garibaldi, cuja luta revolucionária sempre esteve ao lado da liberdade e da libertaçao dos povos de todas as tiranias, sendo um exemplo pessoal a ser lembrado por todos os maçons.


Importante lembrar que a Maçonaria, por ser adogmática e aberta, assumiu diferentes posturas políticas e ideológicas ao longo de sua rica história, envolvendo-se nos mais variados eventos históricos. A despeito destas variadas posturas, a Maçonaria sempre teve como norteador uma concepção avançada de estrutura social, libertária em muitos sentidos, e contrária a tiranias de todos os tipos.


No entanto, numa espécie de nova interpretação míope da conjuntura, alguns maçons passam a defender uma nova visão de tirania, na qual aparece como definidora do que é “liberdade” e “tirania”, não argumentos e bases filosóficas e racionais que devem nortear esta definição em nossa Ordem, mas meias verdades, mentiras completas, fofocas infundadas, cuja origem encontra-se nas piores oligarquias deste país e cujo meio de transmissão é a grande mídia que, abandonando as mais básicas regras éticas do jornalismo, usa o espaço público concedido para a calúnia, difamação e defesa destas mesmas oligarquias que lhe financia. Torna-se não mais uma crítica política racional, mas uma luta político-partidária fundamentada em bases pouco éticas, cuja corrente de transmissão, a grande mídia, caracteriza-se por um monopolio da informação sem paralelo no mundo. Esta situação e conjuntura deveria ser clara a todos os maçons, dado que dedicam-se a reflexão e estudo de forma sistemática, mas vejo entristecido que alguns maçons, ou desconhecem, ou entregam-se a interpretações levianas.


Fiquei negativamente impressionado como muitos, preocupados com a “ameaça vermelha” e a “cubanização” de nosso país, enveredam por difamar Cuba e rotular o povo cubano levianamente. Logo Cuba, o país com maior número de Lojas maçônicas e maçons per capita do mundo! Junto a isso vicejam incríveis interpretações sobre a existência de uma “ditadura” no Brasil, quando, na verdade, vivemos em um país com um governo legalmente eleito! Se não bastasse isso, muito pior, muitos calam-se perante os esforços feitos pelos opressores de sempre por um retrocesso político! Percebe-se que a luta pelos direitos humanos, feita por brava militância, sob forte pressão contrária e ameaças variadas do “establishment”, acaba sendo pouco valorizada e mesmo criticada, como fui testemunha em diversos momentos.


Particularmente sou crítico do estado atual das coisas, mas possuo suficiente capacidade para entender a diferença fundamental entre poder e governo, não atrevo-me a defender de forma leviana um retrocesso pelo simples prazer de ver as coisas mudarem. No entanto muitos o fazem…


O discurso geral que é apresentado pelos que defendem estas posições parece inicialmente palatável, destacando-se uma genérica luta contra a corrupção no país e os demandos do governo. Correto no geral, mas errando nos detalhes, tais posições não são claras quanto à sua oposição a outras experiências corruptas e degeneradas, que lutam, na cauda destes movimentos reacionários, para retomar o poder, num desejo de avanço na contra-mão da história, sem que o objetivo, que compartilho, de limpar a política nacional tenha alguma possibilidade de ser atingido por esta via. Na verdade, rotula-se os movimentos sociais e de rua como movimentos “comunistas”, “terroristas”, “milicianos”, ocultando-se o seu significado democrático e em defesa de causas populares. Os movimentos de rua, nestes dias, estão na luta por democracia e contra a corrupção de uma forma muito mais propositiva e coerente que as genéricas críticas feitas por alguns contra este ou aquele governo. Estrategicamente, posições deste tipo, de críticas genéricas sem luta, são inúteis, a não ser por, como afirmei desde o início, apoiar aberta ou, pior, silenciosamente, golpismos os mais variados contra nossa democracia.


Como humilde apoiador dos movimentos políticos militantes e de direitos humanos que lutam por avanços na nossa sociedade, não posso calar-me e deixar de defender esta militância política e enaltecer os esforços destes companheiros que lutam por uma sociedade melhor e mais justa.


Todos sabem que a Maçonaria outrora teve imensa influência e poder. No entanto, hoje ela encontra-se enfraquecida, num momento histórico em que ela nunca teve tão pouca influência no mundo. Esforços deveriam ser feitos para reerguer a Maçonaria e sua influência, mas, prosseguindo em defender posições reacionárias e retrocessos, só poderá aumentar seu afastamento da sociedade e diminuir sua importância e influência. Não posso deixar de fazer um apelo aos maçons para que retomem militância pela liberdade e justiça, mas jamais contra elas, buscando um futuro melhor e mais brilhante para nossa Augusta Ordem.